HomeOpiniãoSobre a polêmica dos cabelos platinados da Seleção Brasileira na Copa 2022

Sobre a polêmica dos cabelos platinados da Seleção Brasileira na Copa 2022

Por Francisco O. D. Veloso*

Chegamos à final da Copa do Mundo e ainda discutimos os motivos da derrota do time brasileiro contra a Croácia. Parecia fácil.

 Tem-se procurado encontrar o responsável (ou o culpado) por tamanha tragédia. Sim, isso é uma tragédia para milhões de brasileiros, para milhões de jovens que ainda não experimentaram a sensação de ‘ganhar uma copa’.

Só para fazer inveja, eu vivi isso duas vezes: 1994 e 2002. Na primeira, lembro de assistir a final com amigos em uma chácara, muita animação.

A segunda, a Copa Japão/Coréia do Sul, estava embaixo de um edredon, pois era o início do inverno catarinense, por volta de 7 da manhã – mal lembro, confesso. Garanto, porém, que a sensação de vencer a competição é ótima.

 Voltando à Copa do Qatar, o primeiro a ser responsabilizado foi o técnico, óbvio. De fato, ele tem responsabilidade, não tem como negar. O técnico decidiu não levar um psicólogo e afirmou que iria cuidar, ele mesmo, da saúde mental dos jogadores.

Ao invés de utilizar os serviços de um profissional especializado, o técnico apostou em bilhetinhos de encorajamento e para levantar a autoestima no quarto dos jogadores. A ideia parece saída de um livro de autoajuda e uma demonstração da dificuldade de reconhecer o valor de outras profissões.

 Um fator que também foi discutindo em programas de análise esportiva foi a vaidade dos jogadores. A discussão que vi girava em torno dos cabelos platinados, principalmente.

Durante a semana passada, li uma matéria que reclamava do racismo embutido nesta ideia. Para o autor, ao negro é negado o ‘ser loiro’. Hoje, li a coluna do Matheus Pichonelli no UOL, e ele argumenta que é tudo ‘síndrome de vira-lata’ e ‘caretice’. Porém, gostaria de adicionar uma outra perspectiva a essa discussão.

 Desde que me lembro de copas, o Brasil sempre chegou ‘favorito’. Outras seleções dizem isso e explicam com uma tautologia: O Brasil é o Brasil.

A mídia infla as expectativas para o tetra – vi três copas com essa chamada na TV. As comemorações do tetra duraram até que alguém dissesse: agora, que venha o penta. A história se repetiu em 2002 e estamos, desde então, sendo fustigados, pela mídia e seus patrocinadores, a querer o hexa a cada quatro anos.

 Assim, os jogadores chegam à copa carregando o ‘favoritismo’ quase sobrenatural e a expectativa de uns milhões de brasileiros que só cresce à medida que se avança na competição. Como reagem? Parecem buscar distrações para tirar a pressão.

 A disputa pelo 3º lugar entre Croácia e Marrocos pode ser interpretado de diferentes maneiras. Pode-se dizer que o futebol é feio? Sim. Mas esses jogadores trabalharam e se concentraram em um único objetivo: ganhar o jogo. Avançar. Venceram nos pênaltis? Bravo!

 Na academia, já vi casos parecidos. Tive dois orientandos de doutorado (PhD, em inglês) que ingressaram no mesmo período.

Um, era um rapaz oriundo do norte da Europa. O outro, uma moça do sul da Europa. Para esclarecer: o norte da Europa tende a olhar para o sul com certa arrogância: desorganizados, espalhafatosos, corruptos – latinos, como nós.

Quem você acha, caro leitor, que se deu melhor, agora passados alguns anos? Em todos os quesitos, foi a moça. Ela estava ciente de vários elementos sociais que funcionavam contra ela, inclusive questões de gênero. Sua resposta a tudo isso? Foco e disciplina. Sem desperdício de tempo. Sem distrações.

 O talento é importante, mas ele só nos ajuda até um certo ponto. Depois, o talento precisa ser trabalhado e desenvolvido, domado se preciso, através da disciplina, de um sólido processo de mentoria.

 Penso que os cabelos platinados, assim como o episódio do bife de ouro, as muitas festas em copas passadas, não são necessariamente a causa de derrotas prematuras. Podem ser, na verdade, sintomas, dentre outras coisas, da falta de disciplina e foco.

 Para ler os artigos citados acima:

 

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2022/12/16/da-favela-a-copa-do-mundo-por-que-um-negro-de-cabelo-descolorido-incomoda.htm

 

https://tab.uol.com.br/colunas/matheus-pichonelli/2022/12/18/eles-nao-pintam-cabelo-final-da-copa-testa-nosso-vira-latismo-mais-careta.htm

* Francisco O. D. Veloso é professor/pesquisador no Centro de Educação, Letras e Artes (CELA-UFAC). Possui Doutorado em Linguística Aplicada/Inglês pela UFSC. Foi professor na Universidade Politécnica de Hong Kong (Hong Kong SAR), Professor Visitante na Universidade de Modena e Reggio Emília (Modena, Itália) e professor na Universidade de Bologna (Bologna, Itália). IG: fveloso.

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