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PTOLOMEU PAPERS: Operação deflagrada na administração de Socorro Neri sobre compras superfaturadas durante pandemia colocou Gladson Cameli na mira da PF

Ao cumprir mandados na casa de suspeito de ser “operador” de esquema para aquisição fraudulenta de EPIs pela Secretaria de Saúde da capital, a polícia encontrou carro de luxo que pertencia ao governador acreano.

Por Fabio Pontes e Leonildo Rosas

Coisa do destino.


Uma operação deflagrada pela Polícia Federal na prefeitura de Rio Branco, na administração da hoje secretaria de Estado de Educação e Esporte, Socorro Neri, foi a ponta no novelo para a Operação Ptolomeu chegar ao governador Gladson Cameli.

Essa é a primeira, de uma série matéria sobre a operação que colocou Cameli no centro daquele pode ser considerado o maior esquema de corrupção da história do Acre.

Diferente de Cameli, na época Socorro Neri adotou todas as medidas administrativas para que o caso fosse apurado, exonerando todos os envolvidos.


As reportagens serão publicadas, simultaneamente, no Portal do Rosas e no Blog do Fábio Pontes.

Vamos à primeira parrte da história.

No dia 10 de junho de 2020, policiais federais da superintendência do Acre foram às ruas cumprir mandados de busca e apreensão para investigar a suspeita de compra superfaturada e direcionada de álcool em gel pela Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco.

Batizada de Operação Assepsia, as investigações apontavam que a prefeitura da capital – então chefiada por Socorro Neri (PSB) – teria direcionado a dispensa de licitação para a compra de equipamentos de proteção individual com valores bem acima dos praticados no mercado.

Antes disso, e a partir de alertas emitidos pela Controladoria Geral da União (CGU), a Polícia Federal investigava outros possíveis casos de malversação com recursos públicos durante a crise sanitária causada pelo novo coronavírus, o que resultou nas operações Dose de Valores e Off-Label, que apuravam ilícitos na aquisição de equipamentos médico-hospitalares.

Entre as práticas suspeitas estavam a compra superfaturada de medicamentos, a não entrega de insumos cujos valores tinham sido pagos, além do possível pagamento de propina a agentes públicos.

Tais fraudes eram investigadas nas secretarias de Saúde de cidades do interior, da capital e também na Estadual, a Sesacre.

Todos estes possíveis esquemas de corrupção ocorriam no período mais crítico da pandemia da Covid-19, quando as barreiras burocráticas de um processo licitatório eram dispensadas para facilitar o enfrentamento à crise sanitária.

Após a apreensão de uma série de documentos, computadores e celulares dos suspeitos, além da quebra dos seus sigilos fiscal, bancário e telemático ser autorizada pela Justiça, os investigadores foram montando, ao longo dos últimos 18 meses, um verdadeiro quebra-cabeça que desencadeou, em 16 de dezembro de 2021, na deflagração da Operação Ptolomeu, que pode ser considerada como a revelação do maior escândalo de corrupção da história do Acre.

Adotando a estratégia do follow the money (siga o dinheiro), os policiais federais descobriram que o “principal operador político” do esquema para compra superfaturada de álcool em gel pela prefeitura da capital, era o mesmo que estaria articulando o esquema de corrupção revelado pela operação Ptolomeu. Ou seja: o empresário Rudilei Soares de Souza, o Rudilei Estrela.

Entre os alvos principais da operação Ptolomeu está o governador Gladson Cameli (PP), seus assessores e empresários mais próximos, além das empresas ligadas à sua família

O próprio Cameli teve mandados de busca e apreensão cumpridos na sua casa na capital, além de levar os agentes a cumprirem medidas judiciais no Palácio Rio Branco e nas dependências da Casa Civil.

Tudo autorizado pela ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Nancy Andrighi.

Na última quarta-feira, 22, a PF prendeu a coordenadora de gabinete de Cameli, Rosângela da Gama Pequeno, por obstrução de Justiça. Ela é suspeita de atuar para destruir as provas da investigação. Conforme o Portal do Rosas mostrou com exclusividade na semana passada, Pequeno foi flagrada “dando fim” a um de seus celulares que eram buscados pelos federais. Veja o vídeo aqui.

Rosângela passou a ser a segunda pessoa presa pela operação Ptolomeu. O primeiro tinha sido o empresário Rudilei Soares de Souza, o Rudilei Estrela, a quem a PF acusa de ser o grande operador político e financeiro dos esquemas de corrupção investigados pelos inquéritos da Assepsia e Ptolomeu.

Amigo pessoal do governador Gladson Cameli, Estrela é suspeito de criar empresas de fachada para movimentar alguns milhões de reais naquilo que é definido como “contas de passagem” de “empresas de fachada” e “empresas fantasmas”.

Conforme a Polícia Federal, as empresas de Rudilei recebiam recursos de empreiteiras que tinham contratos com o governo do Acre. Por sua vez, parte desse dinheiro ia para as contas jurídicas de familiares do governador Gladson Cameli.

Além disso, foi por essas contas de passagem de Rudilei Estrela que houve a compra de uma BMW X4 (avaliada em mais de R$ 500 mil) que tem como proprietária a primeira-dama do Estado, Ana Paula Correia Cameli.

Todo esse rastreamento foi possível graças aos chamados Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) repassados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ligado ao Ministério da Justiça, que, por sua vez, recebe dos bancos informações sobre “movimentações atípicas” nas contas de seus clientes.
Esse tipo de controle é feito, justamente, para combater a prática de crimes como o peculato, o desvio de verbas públicas.

As empresas da família Cameli entraram no centro das investigações da PF após a tentativa de Gladson Cameli de comprar um apartamento de luxo avaliado em mais de R$ 5 milhões. O inquérito não revela em qual cidade estaria o imóvel, mas a imobiliária com quem houve a tratativa tem sede no Rio de Janeiro.

Por conta do alto valor do imóvel, a transação também teve que ser informada pela imobiliária ao Coaf, que a repassou à PF. Em duas tentativas, apontam os inquéritos, o imóvel ia ser comprado não em nome do governador, mas de empresas da família, conforme informado pela imobiliária. A polícia não soube dizer se o apartamento de fato foi adquirido.

(Essa tentativa de compra será apresentada em reportagem específica)

Todavia, o que mais chamou a atenção dos investigadores foi ter sido encontrado um carro de luxo, que tinha como proprietário o governador Gladson Cameli, na casa do empresário Rudilei Estrela, durante a segunda fase da operação Assepsia, em 15 de abril deste ano.


Segundo a Polícia Federal, a Pajero Sport HPE está entre os cinco carros de luxo comprados por Cameli num intervalo de oito meses de 2019, seu primeiro ano como governador do Acre.

Gladson Cameli é conhecido no Estado por levar uma vida de ostentação e luxo. Apesar de 15 anos em sucessivos cargos eletivos, seus apoiadores dizem que a vida milionária que esbanja é fruto da sorte de ter nascido no berço de ouro da família Cameli, não tendo nenhuma relação com a corrupção na política.

Para seus apoiadores, o político de 43 anos não tem a necessidade de se envolver em esquema de desvio de verba pública por já ser bastante rico.

Portanto, segundo essa tese, a compra dos carros poderia passar despercebida, não levantando a mínima suspeita. Só não para a Polícia Federal e o Coaf. É que, conforme o banco responsável pelo financiamento dos cinco veículos zero quilômetro, eles foram adquiridos por valores bem abaixo do praticado pelo mercado. Essa estranha transação de compra subfaturada foi informada ao Coaf que, por sua vez, repassou para a PF no Acre.

(A compra dos automóveis também é investigada e será razão de reportagem específica)

Comprou e não mudou de dono

Segundo Rudilei Estrela informou aos investigadores, a Pajero Sport tinha sido comprada do governador em dezembro de 2020, mas até aquele abril de 2021 não tinha sido feita a transferência de posse.

As investigações mostram que somente após ser alvo da operação Assepsia (fase 2), Estrela passou o carro para seu nome, com data retroativa a dezembro de 2020. Logo em seguida, o empresário repassou o veículo para um terceiro.

Para a polícia, causou estranheza o fato de um carro supostamente vendido pelo governador para Rudilei Estrela ter ficado tantos meses no nome de Gladson Cameli, quando essa transferência é automática no ato da aquisição. Estrela afirmou que fez a compra numa concessionária de Rio Branco, o que já resultaria na mudança de propriedade junto ao órgão de trânsito, o Detran.

Para a PF, a possível compra da Pajero Sport HPE – que oficialmente não constava no estoque da concessionária- foi apenas uma forma de disfarçar a aquisição da BMW X4. A polícia diz que parte da transação (R$ 120 mil) foi feita com dinheiro em espécie, e que este pagamento não foi informado ao Coaf.

Outro fator que despertou a atenção dos investigadores era o fato de Rudilei Estrela sempre ser tratado pelos empresários que participavam do esquema de corrupção na compra de álcool em gel como “governador”.

Como destaca a PF, apesar de a compra ser feita pelo município e dele ter sido candidato a deputado federal pelo PP em 2018, Rudilei Estrela não era chamado de “meu prefeito” ou “meu deputado”, mas apenas de “governador”.

Este fato, mais a localização de um carro de Gladson Cameli na garagem do empresário, revela a proximidade do governador acreano com o “principal operador político” do possível esquema de corrupção que tinha como alvo contrato de R$ 6,5 milhões da Secretaria de Saúde de Rio Branco para a compra de álcool em gel e máscaras.

Apesar de os investigados pela operação Assepsia negarem que tenha ocorrido o pagamento de propina para a assinatura do contrato, a PF afirma que as interceptações telefônicas, além das planilhas apreendidas nos celulares dos suspeitos, revelam o contrário.

Citações como “frete”, “10%”, “custo político” e “comissão”, de acordo com relatório de investigação, “dizem respeito a entrega de valores a título de propina”.

Ainda segundo apurado pela polícia, Rudilei Estrela era o responsável por fazer a coleta do suborno e “dar a devida destinação”. O empresário fez, pelo menos, três viagens para receber os valores relacionados à suposta propina.

As viagens ocorreram nas datas específicas que a Secretaria de Saúde da capital fazia o pagamento das parcelas do contrato com a empresa sediada em São Paulo. O pagamento da “comissão” ocorria em espécie para não levantar suspeitas. Dias antes da operação Assepsia ir às ruas, o dinheiro foi repassado para a conta de um dos irmãos de Rudilei Estrela e outra de sua empresa.

O que levou a PF a investigar Gladson?

A intensa aproximação de Rudilei Estrela com Gladson Cameli, as constantes citações do nome do governador pelos investigados nas operações de combate a fraudes com recursos do Sistema Único de Saúde, a tentativa da compra de um imóvel de R$ 5 milhões, a compra subfaturada de veículos de luxo e, por fim, as constantes “movimentações atípicas” detectadas pelo Coaf nas contas bancárias das empresas da família Cameli colocaram o chefe do Palácio Rio Branco no centro das investigações.

A operação Ptolomeu é o resultado do desmembramento dos inquéritos que apuram fraudes na Saúde, após determinação da ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça. Por conta da prerrogativa de foro, governadores só podem ser investigados após autorização do STJ. Foi a ministra que expediu os mandados de busca e apreensão e prisão nas duas primeiras fases da Ptolomeu.

Essa é a primeira de uma série de reportagens intitulada Ptolomeu Papers produzidas a partir das investigações realizadas pela Polícia Federal no inquérito da Operação Ptolomeu, que desbaratou o que é definido como “organização criminosa” montada na alta cúpula do governo acreano para desviar recursos do SUS e do Fundeb. Ao todo, R$ 800 milhões teriam sido movimentados pelos investigados.

Desde o começo, o governador Gladson Cameli tem negado todas as acusações investigadas pela PF na operação da PF. Diz que nada tem a temer, que está à disposição dos investigadores, e que sua inocência será provada.

Ao longo dos próximos dias, mais reportagens sobre a operação Ptolomeu serão publicadas.

Ao todo, inquérito da Polícia Federal enviado ao Superior Tribunal de Justiça contém 845 páginas.

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