Na política, aliança sem compromisso programático é puro oportunismo.

Ermício Sena*

O ditado popular de que o Acre “é pequeno, mas é enjoado” a cada dia parece mais atual. Quando se trata da análise política, por aqui temos material suficiente para muitas teses.

Um dos temas mais discutido ultimamente tem sido o da disputa e do exercício do poder, que, afinal, é do que se trata quando grupos se propõem a representar as preferências do cidadão/eleitor.

Tentarei mostrar aqui, da forma mais sintética possível, como esse debate tem muito a oferecer para a boa análise da política no Acre.

O poder na atualidade pode ser representado de várias formas: autoritária, fascista, democrática, populista e, ultimamente, num modelo tecnopopulista, onde as redes sociais cumprem um papel determinante de como os líderes se movimentam na arena da política, expressando aos representados exatamente aquilo que eles querem ouvir, e não aquilo que estaria inscrito num programa que represente um determinado pensamento acerca da política.

Sobre esse isso existe uma vasta produção e merece um artigo somente sobre o tema.

Por agora, indico a leitura, para todos os públicos, o livro do cientista político italiano Giuliano Da Empoli “Os engenheiros do caos” e também o recente livro do jornalista do New York Times Max Fisher “A máquina do caos. Como as redes sociais reprogramaram nossa mente e nosso mundo”.

Nesse tipo de poder cabe tudo. Cabe, inclusive, que líderes com pendores democráticos se aliem a movimentos não tão democráticos, mas que, nesse mosaico de pensamentos, estejam juntos no momento de busca do poder, sem um programa verdadeiramente democrático.

Esse modelo tecnopopulista não é puro, dialogando com os demais e, a depender de como o líder se comporta, em muitos casos gerando confusão sobre quais princípios programáticos orientam a política pública.

Em estados como o Acre, onde o voto é dado ao candidato e não aos partidos, isso fica evidente – especialmente no debate acerca de quais partidos devem se filiar as lideranças.

Por isso, um movimento amplo tem que ter diretrizes programáticas claras de modo a influenciar a agenda de políticas públicas e, com isso, evitar que o líder não se posicione sobre temas controversos.

Um movimento amplo e democrático, por sua própria natureza, já nasce com o desafio de definir minimamente o que vem a ser os dois conceitos.

Esse desafio não é simples, haja vista a complexidade própria do debate sobre o exercício do poder, quando opiniões sobre temas de políticas públicas são permanentemente disputadas.

Para tomar um caso como exemplo, imaginemos um líder que é “terrivelmente evangélico” e representa uma frente “democrática” que, por sua vez, defende o Estado laico como um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Nesse caso, em temas que envolvem sua orientação religiosa e o bem de minorias excluídas, qual será a posição predominante do poder público, representado por um líder com essas características?

Vê-se que o caso é de natureza estritamente subjetiva e somente um programa construído em cima de princípios democráticos pode garantir que a posição prevalente seja não apenas o pensamento do líder, mas a visão democrática da sociedade, manifestada na adesão ao projeto.

Outra questão muito importante, quando falamos de movimentos políticos amplos, diz respeito à própria amplitude dos apoios individuais ou partidários.

Tais apoios podem ocorrer por questões programáticas, por afinidade pessoal com o líder e/ou, como ocorre com frequência, por puro oportunismo na busca ou manutenção do poder.

Se isso existe em todos os movimentos, sejam eles de viés democrático ou não, somente um programa com diretrizes bem definidas pode evitar que, num eventual exercício do poder, gestores se sintam autorizados a atuar conforme seus humores.

Por último, estamos assistindo por aqui um debate raso sobre quem detém os melhores atributos pessoais para melhor representar o eleitorado nas instâncias de poder. Isso ocorre com quem já está exercendo o poder e com aqueles que buscam exercê-lo.

Se é verdade que um bom líder, além de características carismáticas, tem que possuir qualidades gestoras, também é verdade que sem um programa democrático e popular dotado de diretrizes claras, esse líder passa a ser apenas um falastrão sem conteúdo e direção – o que, diga-se, estamos cheios de exemplos.

*Ermício Sena é professor e cientista político com doutorado na Universidade de Salamanca, Espanha.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *