O governo de Luiz Inácio Lula da Silva planeja transformar a Amazônia e sua proteção em instrumentos geopolíticos, reposicionando o Brasil na região e no mundo e buscando um novo protagonismo.
Em diferentes ministérios, há uma conscientização de que será apenas com a redução do desmatamento que o país poderá recuperar a credibilidade internacional. Não por acaso, o foco do governo nestes primeiros meses será o de mostrar ao mundo que não há apenas uma mudança de tom e um abandono do negacionismo de Jair Bolsonaro. Mas também medidas reais e pragmáticas.
Em encontros fechados entre fundos privados e ministros brasileiros, presenciados pela reportagem do UOL, o tom usado é o de que o governo está ciente do desafio. Mas que a presença do estado já começa a dar resultados, com a queda do desmatamento em 61% em janeiro, a expulsão de garimpeiros e o resgate de populações vulneráveis.
O governo Lula também quer fincar seu posicionamento como rota obrigatória da diplomacia mundial, pelos próximos anos. Em 2023, o primeiro passo dessa estratégia será a cúpula que está sendo organizada entre os países que fazem parte da bacia do Amazonas.
Em 2024, será a vez de o Brasil sediar as reuniões do G20, que será presidido por Lula. E, em 2025, o país quer organizar a Conferência da ONU sobre o Clima.
Lula ainda viajará nas próximas semanas para a China, África e será convidado para a cúpula do G7, no Japão.
Cúpula da Amazônia
Central nesse reposicionamento será uma coordenação regional e a volta do protagonismo brasileiro na América do Sul. Por isso, a meta é de que o encontro de cúpula na Amazônia aconteça ainda no primeiro semestre do ano, permitindo que Lula possa chegar à Assembleia Geral da ONU, em setembro, com um novo status internacional.
Além dos países da região, serão convidados para a cúpula os quatro outros países sul-americanos que não fazem parte da Amazônia: Chile, Uruguai, Argentina e Paraguai. Países como a França, que também tem seu território amazônico, também estará presente, além de eventuais outros convidados que poderão participar como observadores.
Oficialmente, a pauta é é a criação de um plano conjunto e regional para proteger a floresta e garantir o desenvolvimento social e econômico.
Mas há um outro objetivo, tão relevante quanto a questão ambiental: a reconstrução dos projetos de integração regional, uma obsessão do governo Lula para seu mandato e visto como uma base para que o Brasil possa ser considerado como uma espécie de porta-voz natural da região.
Do tema ambiental, o instrumento tenderá a ganhar dimensões políticas e, assim, cimentando uma nova relação e uma nova organização sul-americana de integração.
Durante os anos de Jair Bolsonaro, ao virar as costas para o continente, o Brasil também deixou de ser convidado para as reuniões internacionais e nomes como Sebatian Piñera (Chile) ou Ivan Duque (Colômbia) passaram a dividir o espaço do palco global como representantes da América do Sul.
Nos bastidores do Palácio do Planalto, os cálculos são simples: não há como o Brasil pleitear um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU ou uma reforma do sistema financeiro internacional sem se posicionar, antes, como líder regionais.
Plano e meta
A construção que está sendo operada tem plano e meta, desenhados de forma cuidadosa nos bastidores.
O primeiro aspecto é que a cúpula da Amazônia será convocada pelo Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), formada por oito países amazônicos: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
O uso do instrumento não ocorre por acaso. A organização foi uma iniciativa do governo militar brasileiro, ainda nos anos 70. A esperança do governo Lula é de que, ao reviver o mecanismo, as forças armadas se sintam prestigiadas. Também teria uma função estratégia de minar qualquer tipo de resistência que os militares poderiam ter sobre uma internacionalização da Amazônia.
Esse, porém, não é o único motivo. O organismo jamais expulsou a Venezuela e, portanto, a participação do presidente Nicolas Maduro estará garantido.
De clima para uma integração política
A meta do governo brasileiro é ainda o de transformar o evento numa base para que a região possa voltar a desenhar um projeto de integração regional. Sob Jair Bolsonaro, o Brasil desmontou os mecanismos de cooperação sul-americana.
Entidades como a Unasul foram desmobilizadas, enquanto grupos com forte cunho ideológico foram estabelecidos na região. Um deles foi o Grupo de Lima, que tinha como objetivo criar uma pressão insustentável sobre a Venezuela e, eventualmente, enfraquecer Nicolas Maduro. Não funcionou e, com a vitória de governos de centro-esquerda pela região, o bloco foi esvaziado.
Países da direita conservadora, sob forte orientação do governo de Donald Trump, ainda estabeleceram o Prosul em 2019. Dominada por governos de direita, a região viu o estabelecimento do novo mecanismo com os então presidentes Macri (Argentina), Sebastian Piñera (Chile), Mario Abdo Benítez (Paraguai), Martín Vizcarra (Peru), Iván Duque Márquez (Colômbia) e Lenín Moreno (Equador).
Mas o bloco era, no fundo, mais uma maneira de isolar a Venezuela, além de afastar a Bolívia.
Agora, a esperança é de que, usando a Amazônia como base, um novo projeto de integração possa ser negociado.
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