Estou convencido de que fracassei no papel da pai.
Se fosse bom, não teria três, dos cincos filhos biológicos, querendo distância de mim.
Contento-me com aqueles que me dão atenção e demonstram o mínimo de amor, respeito e consideração.
É a vida.
Pai tem o dever de cuidar dos filhos, mas os filhos crescem, ganham asas e não são obrigados a gostar de pai.
Não é fácil, mas procuro, diariamente, fica bem resolvido acerca dessa situação.
Digo que sempre estarei de portas e coração abertos para receber quem quiser entrar.
Se não sou ou fui o que sonharam e esperaram, tenho a consciência que procurei dá o melhor de mim.
Considero esse distanciamento uma grande pena, mas não fico remoendo nem lambendo feridas.
Se, para os que fizeram opção de ficarem distantes, só verem os meu defeitos e não falarem comigo, não sou ou fui um pai ideal, busco ser um bom filho.
Tento melhorar o meu desempenho diariamente.
Há 17 anos, aos 80 anos, o meu pai partiu desse plano terrestre.
Eu também não era próximo ao ele.
Restou a minha mãe.
Zeca Matias e Orieta Rosas viveram juntos 56 anos, enfrentaram todos os tipos de dificuldades para sustentar oito filhos.
Professora aposentada, a dona Orieta completa 88 anos de vida neste sábado.
São muitos anos de vida, infinitas histórias.
Não há um dia que eu não vá à casa dela.
Quando não vou, vem o telefonema: “Não veio hoje, está doente?”.
Felizmente, tenho boa saúde.
Quando não vou é porque aconteceu algum imprevisto, algo fora da rotina.
Poucos são os filhos que têm o privilégio de ter uma mãe com quase nove décadas de vida gozando de plena lucidez.
Uma mulher forte, que não é de sorrir muito, que viu partir o marido, todos os irmãos e três filhos, mas se mantém firme como uma árvore quase centenária.
Comparo a minha mãe à uma samaúama de carne e osso.
O tempo passa, mas ela se mantém firme como se fosse eterna.
Uma mesa simples, com xicaras azuis e uma garrafa de café vermelha compõem o cenário dos nossos encontros diários.
O pão e a manteiga são o cardápio.
A nossa casa, a casa que cresci é humilde.
Tudo é simples, mas repleto de vida.
Interessante é que me aproximei mais da mãe no momento em que os meus filhos se afastaram de mim.
A gente aprende a extrair coisas boas daquilo que, no primeiro momento, machuca e dói.
Viver é saber cruzar dificuldades com altivez, manter o coração limpo e livre de sentimentos ruins.
Sempre pensei que guardar rancor é semelhante a tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra.
Não me enveneno com sentimentos danosos à saúde.
Gosto de ouvir e contar histórias.
Gabriel Garcia Márquez, o grande escritor colombiano, escreveu sobre a beleza de viver para contar.
“A vida não é o que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la”, disse o Prêmio Nobel de Literatura.
A dona Orieta vive, viveu e recorda com detalhes toda a sua trajetória.
São viagens, infinitas viagens por rios, seringais e cidades.
A nossa mente nos leva aos mais profundos sentimentos.
A nossa memória é o cofre sagrado da história que vivemos.
Vejo que esse cofre da minha mãe parece intacto. É incrível como recorda dos momentos bons e ruins vividos ao longo da sua existência.
A dona Orieta conta coisas vividas há mais de 70 anos como se tivessem acontecido ontem.
Santa lucidez.
Acho que chegará fácil aos 100 anos.
Tomara.
Eu, o cara que não é um bom pai, quero continuar sendo um bom filho..
Li esse poema de Mia Couto e faço questão de reproduzir:
“Cego é o que fecha os olhos
e não vê nada.
Pálpebras fechadas, vejo luz.
Como quem olha o sol de frente.
Uns chamam escuro
ao crepúsculo
de um sol interior.
Cego é quem só abre os olhos
quando a si mesmo se
contempla.”
Procuro fugir da cegueira de enxergar somente quando me contemplo.
Sou humano na sua máxima imperfeição.
Mas quem é perfeito mesmo?
Finalizo dizendo que, a assim como fez Cazuza, que só as mães são felizes.
Parabéns, dona Orieta!
A senhora é sucesso no papel de mãe.