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Vai ser uma destruição insana da natureza, diz secretário-geral da SOS Amazônia ao analisar impactos do PL 6024 no Juruá

Para Miguel Scarcello, a construção de uma rodovia entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, no Peru, é uma ameaça não apenas para o ambiente, mas também para a segurança de centenas de famílias tradicionais; “Vai ser pura especulação fundiária. Isso vai servir para facilitar a invasão de terras públicas.”

Por Fábio Pontes

O Vale do Juruá, localizado no extremo oeste do Acre, é uma das regiões mais bem preservadas da Amazônia, além de ser apontada como uma das mais ricas em biodiversidade do planeta. A Bacia do Juruá se estende entre os dois lados da fronteira do Brasil com o Peru.  A presença de unidades de conservação e de terras indígenas é o que assegura a permanência da floresta em pé nas últimas décadas. O isolamento geográfico do Vale do Juruá do restante do Acre por conta da não pavimentação da BR-364, por mais de quarenta anos, também contribuiu para a região estar preservada.  Hoje a rodovia está asfaltada em toda a sua extensão. 
Toda essa riqueza biológica está ameaçada por meio de um projeto de lei: o 6024. Isso mesmo, o famigerado PL 6024 de autoria da deputada federal Mara Rocha (PSDB-AC), cujo propósito principal é a desafetação de áreas da Reserva Extrativista Chico Mendes, localizada no Vale do Acre. Dentro da proposta está incluído um artigo que também impacta o Vale do Juruá. 
A intenção é transformar o Parque Nacional da Serra do Divisor em uma simples Área de Proteção Ambiental (APA), cujas regras ambientais são bem mais flexíveis do que a categoria parque, que são unidades de conservação de proteção integral. Outra proposta para a região – que tem o apoio do governo Gladson Cameli (PP) – é a construção de uma estrada entre as cidades de Cruzeiro do Sul e Pucallpa, no Peru, o que ampliará os impactos sociais e ambientais para os dois lados da fronteira. 
O rebaixamento de classificação da Serra do Divisor, mais a construção da estrada, representam uma grave ameaça para a sobrevivência da fauna, da flora e das centenas de famílias tradicionais que vivem na região e entorno.  
“Vão transformar aquelas colônias, aqueles locais de moradia das famílias tradicionais, em negócios. Não tem regulamento nenhum. Já é complicado com as regras de um parque, imagina sem. Para mim vai ser uma destruição insana da natureza da maior diversidade biológica do estado”, diz Miguel Scarcello, secretário-geral da organização não-governamental acreana S.O.S Amazônia. 
“Não dá pra esperar nada de positivo no sentido de conservar e para trazer benefícios às famílias locais. O jeito é torcer para que haja reação internacional contra isso, porque o horizonte é muito preocupante.”
Leia a entrevista de Scarcello ao blog na qual analisa os efeitos do PL 6024 para a Resex Chico Mendes e o Parque Nacional da Serra do Divisor, duas áreas onde a SOS Amazônia já teve atuação.  

Qual sua avaliação sobre os impactos que a aprovação do projeto 6024 pode provocar dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes? Scarcello: O risco para a conservação é enorme, porque vai prevalecer, se aprovarem o que o senador defende e a deputada também defende, é que as atividades econômicas que estão lá fazendo a destruição da floresta, que estão descumprindo as regras da reserva [sejam legalizadas], sejam validadas. Isso é uma demonstração de mudança de regras no meio do jogo. É uma coisa Inadequada na perspectiva de uso sustentável da floresta. Por conta de um processo que nunca foi empreendido, ou foi de forma parcial e incompleta, e que não produziu o efeito que deveria ter que era para fazer a reserva extrativista produzir em todo o seu universo com produtos madeireiros e não madeireiros, e até mesmo com a produção agroextrativista típico da produção familiar. Isso não foi implementado, tiveram a chance de receber o apoio para implementar, mas não houve por parte do gestor o investimento que deveria ter havido. Isso não aconteceu e eles estão complicando. [Os defensores do PL] implementam atividade incompatível com a finalidade da reserva e vão ter um privilegio.

E o que representaria a aprovação dessa proposta? Scarcello: Uma defesa ilegal, desacertada que não poderia ser aprovada, pois indica que pode haver qualquer tipo de mudança em outro momento, já que o poder público não tem eficácia e efetividade que deveria ter. Aquilo é um território federal, que deveria ter cumprido as suas etapas, mas não cumpriu. Teve até parceria com o governo do estado tempos atrás, teve muitas iniciativas de organizações no sentido de agilizar, mas a gente percebe que não é em toda a sua plenitude. Infelizmente, boa parte da reserva não recebeu o apoio que deveria, não houve esforço para estudar o potencial madeireiro e não-madeireiro que a floresta tem para implementar. Nada foi feito na amplitude que deveria, foi tudo parcialmente num território específico. Foi insuficiente. Agora, fazer mudança por lei por conta de que isso não acontecia; penalizar a conservação e as famílias que têm esta finalidade, é para beneficiar um grupo de um setor econômico e, consequentemente, não dá o benefício ambiental que toda a sociedade merece. O benefício do funcionamento da reserva não é só para os seus moradores, é para a sociedade como um todo. É para a preservação do rio Acre, para a manutenção do manancial de água para abastecimento das cidades. A expansão desordenada do desmatamento da Bacia do Rio Acre ao longo da BR-317 está entrando na marra, não existe uma cena efetiva no sentido de instruir um processo de desenvolvimento da reserva como deveria ser feita. Eu acho que o PL vem para favorecer os infratores. Favorecer a um grupo e não a sociedade. Um grupo pequeno de famílias que se aproveitou da situação que implantou na marra, sem autorização, ilegalmente. Não seriam autorizados nunca, fizeram na marra.

E quais seriam as consequências de transformar o Parque Nacional da Serra do Divisor numa APA?Scarcello: Transformar para a categoria de APA é um crime enorme, porque APA é uma categoria que não protege nada, só releva que a área tem que ser protegida, mas não tem impedimento de nada. Se você andar por aí vai ver que a única coisa que fazem é não proteger, como acontece com a APA do Lago do Amapá [em Rio Branco] onde fazem o que querem. Você anda por ali é uma bagunça. Entram lá e fazem de tudo. Só não protegem. É o tempo todo sofrendo invasão, derrubada, caminhão de areia correndo livremente. As atividades econômicas, as famílias vão se perder lá dentro [da Serra do Divisor]. Os nativos de lá vão ser atropelados porque há um interesse fundiário enorme. Vão transformar aquelas colônias, aqueles locais de moradia das famílias tradicionais, em negócios. Não tem regulamento nenhum. Já é complicado com as regras de um parque, imagina sem. Para mim vai ser uma destruição insana da natureza da maior diversidade biológica do estado, da única cadeia de montanhas da região. Vai ser uma perda lastimável que pode enfraquecer o controle ambiental e colocar em risco as principais cabeceiras de rios do Acre.

Este mesmo grupo político também defende a construção de uma estrada até o Peru cujo traçado passa justamente dentro desta área rica em biodiversidade. Quais seriam as consequências? Scarcello: Uma situação mais calamitosa ainda se for feita uma estrada da maneira como é feita no território nacional. Vai ser uma esculhambação total. Não vai ter controle de nada. A expansão das margens de desmatamento vai ocorrer de maneira intensa. Se hoje o órgão ambiental [ICMBio] não tem controle, imagine com uma estrada. Isso eu digo dentro do parque, agora imagine fora do parque, nas obras que vão ser feitas no entorno. Vai ser pura especulação fundiária. Isso vai servir para facilitar a invasão de terras públicas. O que de fato deveria acontecer é o parque funcionar, o turismo acontecer para aquelas famílias que estão lá. O correto era fazer empreendimentos de negócios para receber os visitantes, hospedar, guiar, transportar, orientar os pesquisadores, os observadores de pássaros. Essas pessoas [os moradores] é que deveriam se beneficiar com isso. Permitiria que pudessem permanecer no parque. Vai ser um crime transformar em APA, e fazer a estrada, pior ainda. Mesmo que [a rodovia] não corte a cadeia de montanhas, vai cortar toda a área vizinha, ao redor da cadeia de montanhas, um terreno em declive, vai ser situação bastante difícil de controlar. Se tiver que ser feita, que se faça com rigor que tem que ser feito. Mas a intenção que se percebe é que é obra para ontem, de qualquer maneira. Pelas falas que se ouve do senador [Márcio Bittar] ele pouco se preocupa com isso; quer as coisas rápidas, uma situação de muito risco, atitude irresponsável e leviana. Um processo sem o controle da sociedade civil. A sociedade não foi ouvida, apenas a classe empresarial. Isso é muito grave. Não dá para se esperar nada de positivo no sentido de conservar e para trazer benefícios às famílias locais. O jeito é torcer para que haja reação internacional contra isso, porque o horizonte é muito preocupante.

O interessante é que também não se vê uma reação da classe política local que faz oposição ao atual grupo no poder. A questão ambiental não interessa muito a nossos políticos? Scarcello: Não tem nenhum deputado preocupado com esta causa. O restante está pouco ligando. Não ouvi, em nenhum depoimento, discursos em defesa da conservação. Todos são contra. Talvez o Daniel Zen [deputado estadual do PT], pelo que me lembro, é o único. Os outros falam para favorecer, facilitar, detonar, alegando que vai desenvolver, mas nunca pensam em desenvolver conservando. E nunca procuram as organizações para se orientar. A sociedade não tem oportunidade de opinar. Quando chamam a gente é só para dar o aval. Estou até hoje esperando a criação de uma câmara técnica para produtos não-madeireiros num fórum de desenvolvimento que foi criado [no governo do estado]. Não chamaram a gente para mais nada. É muito grave o que acontece hoje. O modelo de governo é ignorar a representação dos movimentos sociais. Acham que é partidário. É uma generalização equivocada. Lembro que temos voz própria, não precisamos de partido político para sobreviver. É um equívoco muito grave, mas a gente tem que continuar enfrentando. A estratégia do ministro do Meio Ambiente é bem decidida: passar com a boiada.

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