HomeOpiniãoDOIS ABSURDOS AMBIENTAIS EM UM ÚNICO PROJETO DE LEI

DOIS ABSURDOS AMBIENTAIS EM UM ÚNICO PROJETO DE LEI

Por Daniel Zen

Sob o falso pretexto de regularizar a situação de posseiros que já habitavam as terras da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes antes de sua demarcação, a deputada federal Mara Rocha (PSDB-AC) apresenta projeto de lei com o objetivo de promover uma revisão dos limites desta UC.

Segundo reportagem, assinada pelo jornalista Edmilson Ferreira, “o objetivo [do Projeto de Lei n° 6.024/2019] é preservar o modo de vida de produtores rurais que, mesmo antes da criação da reserva, em março de 1990 (Decreto n° 99.144/1990), já cultivavam pequenas plantações e rebanhos na região.”

Ainda segundo a reportagem, a deputada destaca que “a criação da reserva, sem preservar as pequenas propriedades que existiam na área, transformou a região em um ponto de conflito entre fiscais ambientais e famílias de agricultores que insistem em retirar o sustento das suas pequenas propriedades. ‘A realidade é que essas famílias não conseguem encontrar sustento nos produtos extrativistas da região e encontram barreiras para permanecer nas atividades em que sempre laboraram. Estamos propondo a flexibilização dos limites da reserva Chico Mendes, a fim de devolver a esses produtores a possibilidade de continuar encontrando sustento no plantio de roças e na criação de suas poucas cabeças de gado’.”

É falsa a premissa de que posseiros que habitam o interior da Resex ou seu entorno não possam desenvolver atividades econômicas ligadas ao plantio de roçados ou a pecuária. Aliás, é exatamente isso o que ocorre: o cultivo de culturas temporárias diversas e os rebanhos de animais convivem em harmonia com as atividades típicas do extrativismo, que exigem a manutenção da floresta em pé. Isso ocorre graças às técnicas de manejo e dos chamados Sistemas Agroflorestais (SAFs) também chamados de agroflorestas.

Sendo assim, se desvelam as reais intenções da deputada: se aprovada, a medida vai permitir que grandes latifundiários, que há anos reclamam a propriedade de terras limítrofes, com áreas mistas que tanto margeiam, quanto ingressam no interior da Resex – e que nunca habitaram lá, diga-se – possam reivindicar judicialmente suas terras e retomá-las das mãos dos verdadeiros posseiros. A deputada se utiliza de uma retórica bonita, de ajuda aos mais pobres e necessitados, mas que só vai favorecer aos grandes proprietários de terra, permitindo a reconcentração de pequenas glebas em grandes latifúndios. O que ela propõe, em síntese, permitirá a legalização da grilagem.

Nesse mesmo PL, a deputada propõe a “transformação” do Parque Nacional (Parna) da Serra do Divisor em uma Área de Proteção Ambiental (APA), onde se permite a existência de propriedades privadas e o respectivo desenvolvimento de atividades econômicas.

Segundo opinião da deputada, tornada pública em reportagem da Folha de São Paulo (25/01), se o Parna da Serra do Divisor for “convertido” em APA, será possível obter o licenciamento ambiental para a construção da rodovia entre Cruzeiro do Sul, no Brasil; e Pucallpa, no Peru, alavancando o desenvolvimento da região.

Mais uma vez a parlamentar se utiliza de uma retórica burlesca. É perfeitamente possível construir uma rodovia que passe pelo interior de um Parque Nacional sem que, para isso, seja necessário alterar a sua categorização no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc).

A alteração proposta por Mara Rocha não visa, portanto, facilitar a construção da estrada mas sim permitir a privatização das terras públicas que integram o parque. Mais uma vez, a parlamentar age em defesa do interesse do latifúndio e dos que desejam fazer fortuna com especulação imobiliária e não com o justo e necessário trabalho agrícola e florestal. Quem não conhece a deputada – e nem aqueles cujos interesses ela defende – que a compre.

*Foto do Pedro Devani, mostrando a grandeza da Serra do Divisor

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