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Desmate na Amazônia ameaça acordo com UE

Alemanha diz que, sem queda do desmatamento, não ratificará livre-comércio com Mercosul

Valor Econômico

Por Gabriel Vasconcelos e Daniela Chiaretti

O embaixador da Alemanha no Brasil, Georg Witschel disse ontem que, se o governo brasileiro não reduzir o desmatamento na Amazônia aos níveis de 2017, o acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia (UE) não será ratificado pela parte europeia. O diplomata esteve em mesa-redonda sobre economia e meio ambiente no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio.

Diretamente envolvido nas negociações dos rumos do Fundo Amazônia junto ao Ministério do Meio Ambiente, Witschel definiu a situação do instrumento de desenvolvimento e proteção da Amazônia como uma “tragédia” difícil de ser revertida e com grande potencial de prejudicar ainda mais as negociações comerciais com a UE.

“O fracasso do Fundo Amazônia será um torpedo no navio do acordo entre Mercosul e União Europeia, navio que está bem lento e já tem um pouco de água”, afirmou.

O acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia foi finalizado em junho. Passa por revisão técnica e jurídica prevista para terminar neste mês, de acordo com o governo federal. A ratificação não tem uma data-limite.

Já o Fundo Amazônia, sem efetuar desembolsos há mais de um ano, tem cerca de R$ 1,5 bilhão parado sob a guarda do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A paralisação se deve a tentativas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de modificar a composição do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), que define sua aplicação e goza da confiança dos países doadores.

Salles alegou irregularidades na aplicação dos recursos do Fundo Amazônia, mas nunca conseguiu provar algo relevante. A intenção, na verdade, era retirar a representação da sociedade civil no Cofa e concentrar o poder de decisão no governo federal. A ideia não agrada aos doadores. Salles alega querer tornar o fundo mais estratégico e orientado aos negócios, mas Noruega e Alemanha não concordam que, para isso, as ONGs tenham que ser eliminadas do processo.

Mais de 99% do montante acumulado no Fundo vem de doações dos governos de Noruega e Alemanha. Cerca de 93% é dinheiro norueguês. O governo da Noruega pode pedir de volta a soma que está parada no BNDES, mas ainda não o fez. Muitos noruegueses ainda lembram o esforço que o Brasil fez para deter o desmatamento nos últimos 15 anos.

“Estamos [Alemanha e Noruega] esperando uma proposta séria do Ministério do Meio Ambiente sobre como continuar com o Fundo Amazônia. Tenho a impressão de que sobretudo a Noruega está de saco cheio. É como posso entender, e a sociedade também está, se eu fosse cidadão norueguês [estaria de saco cheio]”, diz sobre o país parceiro — e a julgar sobre o que registram os jornais noruegueses, o sentimento é correto.

A reputação do governo de Jair Bolsonaro é péssima na Noruega. As leis que tramitam no Congresso — mineração em terras indígenas, perdão a desmatadores, intenção de diminuir unidades de conservação, por exemplo —, além da inação diante da explosão de garimpos na Amazônia e do desrespeito aos direitos indígenas e comunidades tradicionais, são muito mal recebidas na Noruega. A indicação é que o governo quer mudar a governança do Fundo Amazônia, mas não tem o mesmo empenho para conter o desmatamento.

Segundo Witschel, a Alemanha vai continuar tentando dialogar com o Ministério do Meio Ambiente — assim como a Noruega — , mas já busca outros interlocutores dentro do governo. Ele citou especificamente os ministros da Agricultura, Tereza Cristina, e da Economia, Paulo Guedes, e a ala militar do governo. Disse que, nestas articulações paralelas, o principal argumento são justamente os efeitos colaterais para a ratificação do acordo comercial. Witschel acrescentou, ainda, que tem conversado com o Ministério Público Federal e com os governadores da Amazônia Legal, com quem deve se reunir em meados do mês que vem.

Ao Valor Witschel disse que o breque nas negociações devido à questão ambiental ainda não é fato consumado, mas avalia ser uma condição política clara para a aprovação do acordo de livre-comércio nos Parlamentos nacionais, inclusive o alemão.

“Se o governo não conseguir lutar contra o desmatamento ilegal e reduzi-lo às taxas de 2017, acho que não tem nenhuma chance de ratificar [o acordo] na Alemanha e o [presidente da França Emmanuel] Macron e outros ficarão bem felizes sobre isso”, disse.

A Alemanha tem sido, até aqui, um dos avalizadores do acordo dentro do bloco europeu, funcionando de contra-peso aos movimentos contrários do governo da França e outros como Irlanda e Polônia. Esse apoio, porém, vem perdendo força em razão do comportamento errático do governo brasileiro, sugere Witschel.

Na Alemanha, diz, o Partido Verde é crítico ao acordo comercial e deve votar contra. Legendas maiores, como a União Democrata-Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU), por sua vez, ainda têm maiorias favoráveis ao acordo, mas com um número crescente de deputados em discordância. “A cada notícia negativa, perdemos dez votos no Parlamento, porque esse deputado é questionado [sobre a questão ambiental] em seu distrito”, disse o embaixador.

Para os doadores, o Fundo Amazônia volta a funcionar assim que sentirem que há sintonia do governo brasileiro em deter o desmatamento de fato. É neste ponto que querem colaborar. O Valor procurou o MMA, mas não teve retorno.

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